Dalmazzo, Castro e Tarpinian

Da não incidência de ISS na incorporação imobiliária por contratação direta

É de conhecimento de todos a sagacidade do Fisco em arrecadar dinheiro para os cofres públicos (o que geralmente faz através da cobrança de tributos). E algumas vezes o faz de forma abusiva, contrária aos ditames da lei e da constituição, impondo aos empresários e cidadãos cobrança indevida, sem qualquer base legal ou critério razoável.

É justamente o que tem acontecido com as empresas de construção civil, mais especificamente em incorporações por contratação direta. Primeiramente é imperioso analisarmos a lei que trata da incorporação imobiliária (lei n. 4.591/1964), mais especificamente as espécies de incorporação lá reguladas.

Verifica-se na lei n. 4.591/64 três espécies distintas de incorporação, são elas: (i) por empreitada (artigo 55); (ii) por administração (artigo 58); e (iii) por contratação direta (artigo 41). Adianta-se, desde já, que as duas primeiras espécies de incorporação deverão sofrer incidência do ISS, enquanto a última (por contratação direta), não é fato gerador do imposto municipal, por não haver prestação de serviço, vejamos:

Na incorporação por empreitada, a preço fixo ou reajustável por índice previamente determinado, o incorporador assume com os adquirentes a realização do empreendimento (contrato prévio), que será por ele construído ou por terceiro contratado pelo mesmo, a ser implementado em terreno alheio.

Na incorporação por administração, o incorporador é contratado apenas para administrar a obra, que será realizada por terceiro (empreiteira), também em terreno alheio, sendo o contrato formalizado entre a empreiteira e os adquirentes. O incorporador apenas administrará a obra e as vendas das unidades autônomas.

Por último, na incorporação por contratação direta (objeto deste artigo), o incorporador constrói em terreno próprio, por sua conta e risco, realizando a venda das unidades autônomas por preço global, entregando pronta a unidade imobiliária.

Nas espécies de incorporação por empreitada e administração, há nítida caracterização de prestação de serviço, uma vez que a construção é contratada pelo incorporador ou pelo condomínio de adquirentes, mediante a celebração de um contrato de prestação de serviços onde estes figuram como tomadores para realização da obra em terreno alheio, sendo o construtor um típico prestador de serviços.

No caso de incorporação por contratação direta, onde o incorporador constrói em terreno próprio um empreendimento realizando venda por preço global, por sua conta e risco, não há uma contratação prévia dos adquirentes (obrigação de fazer), mas apenas a entrega da unidade pronta (obrigação de dar), formalizado por um contrato de compra e venda.

Embora a própria lei complementar que regulamenta o ISS prever a incidência do imposto apenas nas espécies empreitada e administração de incorporação, os fiscos municipais têm ignorado referido comando legal e autuado as empresas com base no Custo Unitário Básico (CUB) da Construção Civil como pauta, multiplicando os metros quadrados constantes nos alvarás de licença pelo índice CUB.

De acordo com o item 7.02 da Lista Anexa a LC 116/03, sujeita-se ao ISS a “execução por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICM)”.

Após muita discussão tanto na doutrina como nos tribunais, a 1ª Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça sedimentou em 2010 o entendimento pela não incidência de ISS na incorporação por contratação direta (decisão também ignorada pelos fiscos municipais), vejamos:

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ISS. CONSTRUÇÃO SOB O REGIME DE CONTRATAÇÃO DIRETA ENTRE OS ADQUIRENTES DAS UNIDADES AUTÔNOMAS E O CONSTRUTOR/INCORPORADOR (PROPRIETÁRIO DO TERRENO). ATIVIDADE QUE NÃO SE CARACTERIZA COMO PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.

1. Na construção pelo regime de contratação direta, há um contrato de promessa de compra e venda firmado entre o construtor/incorporador (que é o proprietário do terreno) e o adquirente de cada unidade autônoma. Nessa modalidade, não há prestação de serviço, pois o que se contrata é “a entrega da unidade a prazo e preços certos, determinados ou determináveis” (art. 43 da Lei 4.591/64). Assim, descaracterizada a prestação de serviço, não há falar em incidência de ISS.

2. Ademais, a lista de serviços sujeitos ao ISS é taxativa, não obstante admita interpretação extensiva. Além disso, é vedada a exigência de tributo não previsto em lei através do emprego da analogia (art. 108, parágrafo único, do CTN). Desse modo, se a previsão legal é apenas em relação à execução de obra de engenharia por administração, por empreitada ou subempreitada, não é possível equiparar a empreitada à incorporação por contratação direta, para fins de incidência do ISS, como entendeu o acórdão embargado.

3. Embargos de divergência providos.”
STJ, 1ª Seção – EREsp 884778 /MT, Min. Rel. Mauro Campbell Marques, DJe de 05/10/2010)

Portanto, em se tratando de incorporação por contratação direta, com as seguintes características, quais sejam: (i) a obra realizada em terreno próprio; (ii) obra realizada pela própria incorporadora, sem contratação de empreitada; e (iii) obra realizada por conta e risco da incorporadora, cujas unidades serão vendidas diretamente para os adquirentes após concluído o edifício, não há que se falar em incidência de ISS.

Também é importante mencionar que a venda de unidade ainda em fase de construção inacabada (vendas na planta ou antes do “habite-se”) não desvirtua a espécie de incorporação, transformando-a de contratação direta em empreitada (espécie em que incidiria o ISS).

Importante citar a doutrina de Rubens Miranda de Carvalho, o qual entende que:

“a incorporação imobiliária não caracteriza serviço, visto que o incorporador pratica uma atividade empresarial em seu próprio benefício, não servindo de intermediário entre o subscritor de unidade autônoma e o construtor, mas mantendo com o mesmo subscritor uma relação jurídica direta que não visa prestar-lhe serviço, mas a alienação de fração ideal de terreno, que se vincula ao contrato de construção. Tal alienação é feita mediante contratos de compra e venda, de promessa de compra e venda ou de cessão de direitos sobre este último tipo de contrato. Embora exigível por muitas prefeituras, o ISS também não incide sobre a construção feita pelo proprietário da obra, aumentando seu próprio patrimônio ou para posterior locação ou venda da edificação dela resultante. É tipicamente uma atividade em próprio benefício, não caracterizando serviço pela ausência de interação”. (CARVALHO, Rubens Miranda. ISS – A lei complementar n. 116/03 e a nova lista de serviços. São Paulo: MP, 2006, p. 173/174).

Portanto, fica clarividente a impossibilidade de incidência de ISS em empreendimento imobiliário por contratação direta, uma vez que nitidamente não há a prestação de serviço, apenas a entrega das unidades prontas aos adquirentes, a prazo e preço certo (inexistência de obrigação de fazer).

Tiago Rodrigo Figueiredo Dalmazzo – advogado, MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), pós-graduado em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de Itu. Sócio do escritório Dalmazzo & Castro Advogados Associados.