Dalmazzo, Castro e Tarpinian

Desconsideração da Personalidade Jurídica – Processo do Trabalho e o Novo CPC

Ante o início da vigência do novo Código de Processo Civil (CPC/2015), diploma este que culminou em mudanças no sistema processual pátrio, com forte influência sobre algumas questões atinentes ao processo do trabalho, buscaremos, através do presente artigo, tecer algumas considerações acerca do procedimento a ser observado quando da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Inicialmente, há que se ressaltar que o CPC/2015 não se aplicará integralmente ao processo do trabalho, tendo em vista que a legislação trabalhista já possui ordenamento jurídico próprio, qual seja, a CLT, sendo referido diploma aplicado de forma subsidiária e supletiva, na medida em que suprirá algumas lacunas existentes bem como complementará normas que se encontram incompletas ou carentes de regulamentação.

A Teoria de Desconsideração da Personalidade Jurídica, conceituada de forma simplista, é o alcance do patrimônio dos sócios, procuradores ou representantes legais da empresa, com a finalidade de satisfação integral de débito gerado pela pessoa jurídica.

Anteriormente à promulgação do novo CPC, que não trazia regra específica acerca deste procedimento, o qual também é omisso na CLT, a desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da Justiça do Trabalho se dava mediante a utilização, por analogia, do Código de Defesa do Consumidor.

Mencionado diploma legal prevê a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica em seu artigo 28, § 5º, que autoriza a adoção de referida medida caso reste vislumbrado nos autos a utilização da personalidade jurídica com uma das finalidades abaixo individualizadas:

  • Abuso de direito
  • Excesso de poder
  • Infração da lei
  • Fato ou ato ilícito
  • Violação dos estatutos ou contrato social
  • Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, no caso, ao empregado

Porém, o que se denota na prática é que a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica decorria e ainda decorre do mero inadimplemento do débito ou da não localização de bens em nome da pessoa jurídica, ou seja, sendo concedido o prazo para o pagamento do débito, pela pessoa jurídica, e esta quedando-se inerte, bem como não sendo localizado bens mediante atos de constrição realizados pelo Juízo, era determinado o redirecionamento do feito em desfavor de seus sócios mediante decisão de ofício proferida pelo Juiz ou através de pedido formulado pela parte interessada, visto o entendimento de tratar-se o crédito trabalhista de verba com natureza alimentícia, e, assim, de caráter excepcional a ensejar a adoção de tais medidas.

A discussão acerca dos procedimentos adotados anteriormente à vigência do CPC/15 se dava acerca de uma possível violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados constitucionalmente através do artigo 5º, LV, da Constituição Federal, tendo em vista que a forma como dava-se a desconsideração da personalidade jurídica não abria ao sócio atingido a oportunidade de defender-se previamente, o que ocorreria somente após garantido o Juízo, seja pela nomeação de bens à penhora, seja pela constrição de bens ou valores realizada de ofício pelo Juízo.

Contrariamente ao entendimento de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, sustentavam doutrina e jurisprudência que a desconsideração da personalidade jurídica, ocorrendo em fase de execução, decorreria do fato desta quedar-se inerte quanto ao pagamento do débito bem como esgotarem-se todos os meios aptos a satisfazer a execução, não sendo para tanto encontrado bem ou valor suficiente a quitação do débito exequendo, sendo, assim, legitimado o redirecionamento da mesma a seus sócios (ex-sócios, procuradores, representantes legais) nesta fase processual.

A forma da desconsideração da personalidade jurídica acima descrita é aplicada pela grande maioria dos magistrados, tendo em vista ser recente a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, bem como haver enorme disparidade de entendimentos no âmbito trabalhista acerca da aplicação ou não de alguns de seus dispositivos, dentre eles os artigos 133 a 137 de referido diploma processual, que determinam a instauração do denominado incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o qual possui, como um de seus pilares, a estrita observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa às pessoas físicas que poderão futuramente ter seu patrimônio atingido por lide existente em face da pessoa jurídica.

Dentre os doutrinadores que defendem a não aplicabilidade dos artigos 133 a 137 do CPC/2015 está Mauro Schiavi, cujo argumento extraímos de seu livro Manual de Direito Processual do Trabalho, em trecho abaixo reproduzido:

“De nossa parte, o referido incidente não será aplicável ao Processo do Trabalho, na fase de execução, pois o Juiz do Trabalho promove a execução de ofício (art. 878 da CLT) e o referido incidente de desconsideração é incompatível com a simplicidade e celeridade da execução trabalhista. De outro lado, a hipossuficiência do credor trabalhista e a natureza alimentar do crédito autorizam o Juiz do Trabalho a postergar o contraditório na desconsideração após a garantia do juízo pela penhora.”

(SCHIVI, Mauro. Manual de direito processual do Trabalho. 10ª Ed. São Paulo : LTr, 2016, p. 1084/1085)

Em sentido contrário, extraímos também da obra de Mauro Schiavi (Ibidem, p. 1084) o entendimento exarado por Wolney de Macedo Cordeiro (Execução no Processo do Trabalho. Salvador : JusPodivm, 2015. P. 182-183), o qual segue adiante transcrito:

“Uma das grandes inovações trazida pelo NCPC consiste na instituição do chamado incidente de desconsideração da personalidade jurídica. O novo instituto teve por finalidade estabelecer regras claras para a inserção do sócio na relação processual, após ser procedida à desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. A iniciativa é louvável, na medida em que, até então, todo o tema da desconsideração era tratado no plano do direito material, sem qualquer disposição específica no plano processual. A ausência de uma norma processual específica sobre o tema trazia efeitos danosos, não só para as pessoas alvos da desconsideração, como também para o próprio trâmite procedimental. Não vislumbro qualquer tipo de incompatibilidade orgânica do instituto com o processo do trabalho. Os atributos da celeridade e efetividade, típicos da execução labora, não podem servir de pretexto para solapar as garantias do contraditório e da ampla defesa. Por outro lado, a falta de um regramento específico para a inserção do sócio no âmbito da tutela executiva, fazia emergir certo maniqueísmo no trato da responsabilização extraordinária, pressupondo sempre inequívoca a vinculação do terceiro à relação executiva.”

Inobstante a disparidade de entendimentos doutrinário e jurisprudencial acerca da aplicabilidade ou não do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ao processo do trabalho, há que salientarmos que o Tribunal Superior do Trabalho (TST), visando orientar os Tribunais Regionais (TRTs) e Juízos de 1º Grau, com claro intuito de uniformização da jurisprudência, editou a Resolução n. 203/2016 que aprova a Instrução Normativa n. 39/2016, que dispõe, de acordo com o entendimento do TST, acerca das normas do CPC/2015 aplicáveis e inaplicáveis ao processo do trabalho.

Pois bem, referida Instrução Normativa traz, dentre as normas aplicáveis do CPC/2015 ao processo do trabalho, em seu artigo 6º, os artigos 133 a 137, que determinam a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, a fim de possibilitar ao sócio ou à pessoa jurídica a oportunidade de manifestar-se e apresentar as provas que entender necessárias.

Ressaltamos que, a nosso ver, a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, tem como supedâneo o princípio da boa-fé objetiva, ou seja, sendo presumida a boa-fé, deverá ser comprovada a má-fé que irá ensejar a desconsideração da personalidade jurídica e, para tanto, necessário ouvir, previamente, aquele que será atingido por tal instituto (seus sócios, ex-sócios, representantes legais, etc.).

A aplicabilidade do incidente para desconsideração da personalidade jurídica certamente trará ainda intensas discussões sobre sua incidência, ou não, na Justiça do Trabalho, porém, já podemos vislumbrar um direcionamento favorável do TST, e, desta forma, as decisões proferidas em sede de execução que redirecionarem o feito os sócios da pessoa jurídica sem a devida observância aos artigos 133 a 137 do CPC/2015 terão a possibilidade de ser anuladas pelos Tribunais superiores, o que acarretará numa maior morosidade destes processos, caminhando contrariamente aos princípios da simplicidade e celeridade processual.

Nesta senda, impende aduzirmos acerca da necessidade, em privilégio aos princípios da economia e celeridade processual, da denominada uniformização de jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho (artigo 896, § 3º, da CLT) e, por consequência lógica, dos Juízos de 1ª Instância, tendo como norte o entendimento exarado no âmbito do C. TST, evitando-se assim o aumento de recursos de natureza ordinária e extraordinária, cuja possibilidade de reforma será relativamente grande, elevando o tempo médio de tramitação da ação trabalhista, em claro detrimento ao trabalhador.

Claro que a norma material e processual são passíveis de entendimentos distintos, porém, no presente caso, a legislação mencionada é clara quanto aos pontos objeto da presente manifestação, qual seja, obrigatória instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 a 137 do CPC/15) e entendimento pela sua aplicabilidade ao processo do trabalho exarado no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho através da Instrução Normativa 39/2016.

Concluindo, certamente o presente tema trará ainda maiores discussões, ante a enorme gama de argumentos favoráveis a ambas as correntes, porém, à primeira vista, deverá a jurisprudência se inclinar ao entendimento do TST, sendo que, somente com o passar do tempo, mediante a análise de decisões proferidas no caso concreto e sua pacificação no âmbito de cada Tribunal Regional e no próprio TST, é que teremos uma maior certeza sobre a aplicabilidade ou não do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ao processo do trabalho, sopesando-se os princípios inerentes ao direito e processo do trabalho e a contribuição da presente medida para a efetividade das decisões judiciais sem que, para tanto, seja necessária a violação de direitos constitucionalmente assegurados, seja a favor do empregado, seja a favor do empregador.

Eduardo Alessandro Silva Martins – advogado e pós-graduando em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).