Dalmazzo, Castro e Tarpinian

Empresas que possuem atividade imobiliária, optantes do lucro presumido, devem oferecer à tributação o valor do bem quando da permuta, sem torna, de imóveis?

A Receita Federal do Brasil, nos últimos anos, tem externado entendimentos no sentido de que a permuta de imóveis, ainda que sem torna, deve figurar na base de cálculo dos tributos que oneraram a receita bruta e, assim, empresas optantes pelo lucro presumido teriam tal operação gravada não só pelo PIS e COFINS como, também, pelo IRPJ e CSLL.

Vejamos um desses entendimentos:

“LUCRO PRESUMIDO. ATIVIDADE IMOBILIÁRIA. PERMUTA. RECEITA BRUTA. VALORES DOS BENS.

Na operação de permuta de imóveis sem recebimento de torna, realizada por pessoa jurídica tributada pelo IRPJ com base no lucro presumido, dedicada à atividade imobiliária, constitui receita bruta o valor do imóvel recebido em permuta, seja unidade pronta ou a construir, conforme discriminado no instrumento representativo da operação de permuta de imóveis”

(Receita Federal. Coordenação-Geral de Tributação. Solução de Consulta n. 77 – Cosit. Data: 24 de março de 2015)

As premissas adotadas pela Receita Federal, para se chegar à conclusão apresentada na ementa acima, são as seguintes: [i] as operações de permuta estão adstritas às mesmas disposições relativas à compra e venda (sentido atribuído à redação do artigo 533 do Código Civil); e [ii] a receita bruta compreende o produto da venda nas operações de conta própria (sentido atribuído ao artigo 224 do RIR/99).

Quer nos parecer evidente o equívoco interpretativo desse entendimento fazendário. Vejamos:

“Receitas” e “transferências patrimoniais” não são sinônimos. Uma transferência patrimonial pode até implicar em receita, mas essa não é uma consequência necessária, isto é, não é incomum termos transferências patrimoniais que não geram receita.

Ricardo Mariz de Oliveira é muito feliz ao fazer essa diferenciação:

“…receita é um tipo de ingresso ou entrada no patrimônio da pessoa distinto de outros ingressos ou entradas, embora guarde com todos eles um elemento comum, que é o de se tratar da adição de um novo direito à universalidade de direitos e obrigações que compõem esse patrimônio.

Isto significa que toda receita é um ‘plus jurídico’, mas nem todo ‘plus jurídico’ é receita.”

(OLIVEIRA, Ricardo Mariz. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo : Quartier Latin, 2008, p. 83)

Portanto, a mera transferência patrimonial, por si só, não implica em receita. Como já asseverado anteriormente, reconhecemos que a receita pode ser uma consequência oriunda da transferência patrimonial, mas o problema que queremos enfrentar aqui é a generalização construída pela Receita Federal na Solução de Consulta anteriormente citada.

A permuta é uma operação onde as partes que figuram nesse negócio jurídico (relação obrigacional) são, ao mesmo tempo, adquirentes e alienantes de algo (troca de móvel por imóvel, móvel por móvel ou imóvel por imóvel).

Isso, por si só, já evidencia que a permuta se distancia da compra e venda, onde a identificação de adquirente e alienante é tarefa fácil. Esse ponto, aliás, demonstra o cuidado necessário ao caso, pois pela interpretação fazendária teremos, em uma única operação, dois sujeitos tributados (já que na permuta, frise-se, ambas as partes são adquirentes e alienantes).

A primeira premissa adotada pela Receita Federal em sua interpretação, portanto, de que “as operações de permuta estão adstritas às mesmas disposições relativas à compra e venda” não pode implicar na equiparação, por completo e em qualquer cenário, de tais relações jurídicas (permuta e compra e venda).

Pior, tal equiparação na amplitude pretendida, ainda que possível (situação que se aceita em mero exercício argumentativo), jamais poderia gerar a conclusão de que, em qualquer hipótese, ter-se-á receita.

Isso resta evidente quando da permuta sem torna, onde não há que se falar em preço do negócio, já que eles foram permutados sem a necessidade de complementações monetárias (torna).

Insista-se, do ponto de vista exclusivamente jurídico (e é esse que importa, para fins tributários), na permuta sem torna não há que se falar preço, pois figuram como objeto da relação jurídica obrigacional os bens que serão trocados.

Nesse sentido assevera Sílvio de Salvo Venosa: “nesse contrato, não há propriamente preço, porque os contratantes prometem entregar reciprocamente bens que não dinheiro.” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Contratos em Espécie. 10ª Ed., São Paulo : Atlas, 2010, p. 90).

Aqui, então, cai a segunda premissa invocada pelo Fisco, qual seja, “a receita bruta compreende o produto da venda nas operações de conta própria”, pois se na permuta sem torna sequer há preço atribuído à operação, como é possível falar de “produto da venda”, isto é, latente o equívoco na equiparação, irrestrita, da permuta à compra e venda.

A própria Receita Federal já se manifestou nesse sentido (em contradição aos hodiernos posicionamentos que proferiu atinentes a esse tema), reconhecendo inexistir receita quando da operação de permuta:

“ENTREGA DE IMÓVEIS PARA ADIMPLIR CONTRATOS. PERMUTA. DAÇÃO EM PAGAMENTO. INEXISTÊNCIA DE FATO GERADOR DA COFINS. Na permuta de imóveis, ou na dação de imóvel em pagamento, o ato de entrega do imóvel não sujeita seu autor ao pagamento da Cofins, já que essa entrega não representa ingresso de benefícios econômicos (receita) para quem a realiza. Entretanto, isso não impede que outros fatos referentes ao mesmo contrato possam sujeitar tal pessoa ao pagamento da Cofins.”

(Receita Federal. Disit 06. Solução de Consulta n. 45. Data: 09 de maio de 2012)

Como visto, o problema em tela gira em torno do conceito de “receita” e, como demonstrado alhures, as premissas invocadas pelo Fisco na Solução de Consulta 77 (de 2015) para justificar a existência de receita na operação de permuta sem torna não se sustentam, especialmente por não haver preço em tal relação jurídica, o que evidencia o distanciamento da permuta à operação de compra e venda.

Não concordamos, portanto, com o entendimento hoje predominante na Receita Federal do Brasil em relação a esse tema e, por isso, esperamos que os órgãos julgadores, quer administrativos quer judiciais, afastem tal interpretação e, consequentemente, essa indevida tributação (agravada quando a empresa é optante do lucro presumido).

Danilo Monteiro de Castro – advogado, mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Itu. Professor de Seminário no Curso de Especialização em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Membro associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Sócio do escritório Dalmazzo & Castro Advogados Associados.