ISS. Exportação de serviços. O problema relacionado à interpretação do parágrafo único do artigo 2º da LC 116/2003
Em observância ao raciocínio lógico de que devemos fomentar nossa economia, dificultando a entrada de importados em nosso mercado e, conjuntamente, aumentando a competitividade das nossas empresas no exterior, a política de desonerar o produto brasileiro exportado foi, por óbvio, estendida ao serviço exportado.
Ao invés, porém, de imunizar explicitamente o serviço exportado, o legislador constituinte derivado (via Emenda Constitucional n. 3/93) condicionou tal exoneração à existência desta “exclusão” em lei complementar. Assim é a redação do inciso II, do parágrafo terceiro, do artigo 156 da Constituição Federal:
“Art. 156 – Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(…) III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar;
(…) § 3º – Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar:
(…) II – excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior;”
Isso, por si só, já traz conflitos interpretativos em nossa doutrina, que ora denomina esse instituto de imunidade ora o classifica como isenção (o enquadramento deste instituto lá ou cá traz significantes desdobramentos, mas para o presente estudo não nos aprofundaremos nessa questão).
O fato é que o legislador complementar, quando regulamentou esse dispositivo constitucional, o fez de forma a proporcionar uma indevida interpretação, que vai de encontro àquela pretensão de desoneração do serviço exportado. Vejamos a redação do parágrafo único do artigo 2º da Lei Complementar n. 116/2003:
“Art. 2º – O imposto não incide sobre:
I – as exportações de serviço para o exterior do País;
(…) Parágrafo único – Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.”
O problema gira em torno da expressão “cujo resultado aqui se verifique”, pois isso tem motivado interpretação fazendária (infelizmente acolhida em isolada manifestação do Superior Tribunal de Justiça – REsp n. 831.124/RJ, 1ª Turma, Min. Rel. José Delgado, DJe 01.02.2007) no sentido de conclusão do serviço, e não fruição ou utilização do mesmo.
Assim, se um escritório de arquitetura é contratado, por uma empresa inglesa, para elaboração de um projeto de arquitetura de um prédio a ser construído em Londres, tem-se a interpretação de que essa atividade não é exportação de serviço, pois a conclusão do serviço (elaboração do projeto de arquitetura) deu-se no Brasil.
Esse é um raciocínio equivocado, pois impede a tão almejada competividade do prestador de serviços brasileiro no exterior, isso é, o resultado do serviço deve estar atrelado à fruição do mesmo, ou seja, onde se encontra o beneficiário deste serviço.
No exemplo acima, teremos sim uma exportação de serviços, já que o tomador do mesmo está no exterior e, portanto, o seu resultado (fruição) dar-se-á fora do Brasil.
O que não se pode confundir (e nos parece ter sido essa a questão que o legislador quis enaltecer quando da inserção da regra existente no parágrafo primeiro, do artigo 2º, da LC 116/2003) é tomador de serviço com pagador do serviço. Via de regra, essas figuras se confundem, mas se o pagador do serviço não for aquele que efetivamente se beneficiou com o serviço, este será tratado como tomador e não aquele.
Assim, se o pagador está no exterior, mas o beneficiário do serviço é pessoa sediada no Brasil, não há que se falar em exportação, pois o serviço teve seu resultado aqui verificado. É essa a interpretação que deve ser dada ao referido parágrafo primeiro, artigo 2º, da LC 116/2003.
Foi exatamente esse o raciocínio construído por José Alberto Oliveira Macedo, então Presidente do Conselho Municipal de Tributos (CMT) de São Paulo:
“A celeuma toda em relação à caracterização de uma exportação de serviços para fins de não incidência do ISS se refere à expressão ‘cujo resultado aqui se verifique’, contida no parágrafo único do art. 2º da Lei Complementar n. 116/2003.
A grande indagação que cerca o tema refere-se ao conteúdo semântico da expressão ‘resultado do serviço’, particularmente no que tange ao local de sua ocorrência, porque é a definição desse local, no caso concreto, que vai determinar a existência ou não de exportação de serviços.
HÁ QUE SE RESSALTAR QUE O LOCAL DO RESULTADO NÃO SE CONFUNDE COM O LOCAL DA REALIZAÇÃO DO SERVIÇO. E a Lei Complementar n. 116/2003 deixa isso muito claro quando se utiliza da expressão ‘serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique’ para dizer da não exportação de serviço. OU SEJA, UMA COISA É O LOCAL ONDE O SERVIÇO É DESENVOLVIDO, E OUTRA COISA É O LOCAL ONDE O RESULTADO DO SERVIÇO SE DÁ.
Assim, para que haja exportação de serviço (para fins de verificação da incidência ou não do ISS), o serviço desenvolvido no Brasil tem que refletir seu resultado lá fora, no exterior.
E a pergunta continua: o que é o resultado do serviço e onde ele se dá?
Para a resposta a essa indagação, há que se lembrar do mecanismo que o legislador se utilizou para definir o critério espacial do ISS, nas relações internas, nacionais. Ele se valeu de um elemento fixo, qual seja, o (i) local do estabelecimento prestador (é a regra geral – caput do art. 3º da LC n. 116/2003), naquelas relações em que não há muita facilidade em se apurar, no caso concreto, onde se deu a efetiva prestação do serviço; e definiu como critério espacial o (ii) o local da efetiva prestação do serviço, quando, no caso concreto, este local é de fácil aferição (normalmente se confundindo com o local do tomador do serviço – incisos do art. 3º da LC n. 116/2003).
É que como a relação de prestação de serviço envolve dois polos, o prestador e o tomador, torna-se lícito ao legislador complementar elencar qual desses locais – o local onde estabelecido o prestador ou o local onde estabelecido o tomador – vai ser aquele onde se considera ocorrido o fato gerador.
(…) No caso das prestações de serviço internacionais, em que se torna relevante o elemento ‘resultado’, outro polo da relação torna-se pertinente: o beneficiário do serviço.
Normalmente, o beneficiário se confunde com o tomador do serviço, mas isso nem sempre ocorre. E essa possível diferenciação foi positivada também pela Lei Complementar n. 116/2003, quando utilizou, no parágrafo único do artigo 2º, a expressão ‘ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.
Note-se que se aquele que se beneficia da utilidade do serviço (beneficiário do serviço) prestado por um estabelecimento prestador brasileiro estiver no Brasil estabelecido, não adianta demonstrar que o pagamento do serviço foi efetuado por um não residente para invocar a não incidência do ISS.
Deu prevalência o legislador complementar, portanto, no caso da tributação do comércio internacional de serviços pelo ISS, à fonte de fruição do serviço, e não à fonte de pagamento.
E A CARACTERIZAÇÃO DO LOCAL DO RESULTADO NÃO PODE SE DAR EM OUTRO LUGAR QUE NÃO AQUELE ONDE SE ENCONTRA O BENEFICIÁRIO DO SERVIÇO, outro elemento fixo aferível que faz parte da relação de prestação de serviço.
Não pode a busca do resultado do serviço partir para resultados mediatos, extrínsecos à relação de prestação de serviço. Agindo assim, a determinação do local do resultado do serviço entraria num subjetivismo sem fim, valendo-se de resultados financeiros e até psicológicos, reduzindo-se ao absurdo.
No caso em exame, a Recorrente presta serviços de licenciamento e cessão de direito de uso de software para empresas estabelecidas no exterior (México, Espanha e Malta).
São essas sociedades empresárias as tomadoras e beneficiárias dos serviços prestados pela Recorrente, e como elas não se encontram estabelecidas no Brasil, não há que se falar em qualquer resultado dos serviços aqui. Caracterizou-se, pois, a exportação de serviços.”
(CMT-SP. 1ª Câmara. Processo n. 2012-0.316.895-7. Relator Conselheiro José Alberto Oliveira Macedo. Sessão realizada em 14/06/2013).
Em que pese o teor do julgado administrativo acima apresentado, que teve desfecho favorável ao contribuinte, a questão ainda é bastante controvertida no Conselho Municipal de Tributos de São Paulo (em verdade, os últimos julgamentos lá proferidos foram em desfavor dos contribuintes – muitos deles, porém, através de voto de qualidade, isto é, quando há empate entre integrantes da Câmara, ficando o desempate a cargo do seu Presidente).
O que se espera, no CMT-SP, é uma definição das Câmaras Reunidas a respeito do assunto, o que ainda não se tem.
No Judiciário, em que pese aquele isolado pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça – STJ (REsp n. 831.124/RJ, 1ª Turma, Min. Rel. José Delgado, DJe 01.02.2007), a questão também ainda não está pacificada, existindo recentes manifestações favoráveis aos contribuintes.
Nesse sentido foi o pronunciamento da 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“APELAÇÃO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO. EMPRESA QUÍMICA E FARMACÊUTICA. EXPORTAÇÃO DE SERVIÇOS DE PESQUISA PARA EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO LOCALIZADAS NO EXTERIOR. CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE NA FRUIÇÃO DO SERVIÇO PELA TOMADORA. INTELIGÊNCIA DOS ART. 156, § 3º, II DA CF E ART. 2º, I, PAR. ÚNICO DA LC 116/03. DÚVIDA SOBRE O CONCEITO DE ‘RESULTADO’. APLICAÇÃO DE MÉTODOS JURÍDICOS DE INTERPRETAÇÃO. RESULTADO QUE DEVE SER ENTENDIDO COMO ‘FRUIÇÃO’, COM O APROVEITAMENTO OU EFEITO DO SERVIÇO (PROVEITO ECONÔMICO) EXCLUSIVAMENTE NO EXTERIOR, TOMANDO-SE POR BASE O OBJETO DO CONTRATO E A FINALIDADE DO SERVIÇO PARA O TOMADOR (ASPECTO SUBJETIVO). HIPÓTESE DE ISENÇÃO CONFIGURADA. DECLARADA NULIDADE DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. INDÉBITO CARACTERIZADO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO DEVIDO. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO.”
(TJ/SP. 14ª Câmara de Direito Público. Apelação n. 0038110-26.2011.8.26.0053. Des. Rel. Henrique Harris Júnior. DJe 22/08/2014)
A questão, como visto, é bastante controvertida, mas espera-se que o STJ quando enfrentar novamente a questão, a analise especialmente em face a finalidade desta desoneração, qual seja, aumentar a competitividade dos prestadores de serviços brasileiros no mercado internacional, sendo certo que tributá-los na origem vai de encontro à essa pretensão.