O indevido cômputo de encargos moratórios quando da constituição de multa em matéria tributária
Postura corriqueira adotada pelo Fisco, em especial pelo Fisco do Estado de São Paulo, é aplicar o percentual de multa, quando da lavratura de auto de infração, sobre “base atualizada”, isto é, sobre o tributo constituído no mesmo ato administrativo, atualizado à data da autuação.
Com isso o que se tem na prática é a atualização da própria multa, já que corrigi-la com os mesmos índices do crédito tributário traz idêntica situação valorativa (quando da utilização da supracitada “base atualizada”).
Frise-se, ao encontrar uma determinada situação passível de lançamento, o Fisco a formaliza via lançamento, com os acréscimos legais (se determinado fato tributável ocorreu no passado e não foi oferecido à tributação, o Fisco formaliza tal lançamento reportando ao momento de sua ocorrência e, portanto, impondo os acréscimos legais ao tributo).
Até aqui não há grandes questionamentos. O problema que se aborda no presente estudo é com relação a aplicação da multa oriunda daquele descumprimento tributário (isto é, não oferecimento, no momento correto, de tal situação à tributação) já que, via de regra, a alíquota de tal punição é aplicada sobre a “base atualizada” do tributo, ou melhor, a sanção também é atingida pelos acréscimos legais (juros e/ou correção monetária).
Note que o tributo deixou de ser oferecido à tributação em momento pretérito e, portanto, encontra-se vencido (não se questiona a incidência de acréscimos moratórios sobre ele). Entretanto, a multa sequer vencida está, já que somente agora ela foi imposta ao contribuinte.
Fica, então, as seguintes dúvidas:
- É possível a cobrança de juros de mora sobre multa que sequer vencida está???
- Pior, posso mascarar essa situação utilizando uma “base atualizada” que, na prática, gera o mesmo efeito???
Com relação à segunda pergunta, resta claro, em nosso sentir, que deve ser dado o mesmo tratamento, quer à direta atualização da multa na sua constituição quer à utilização da “base atualizada”. Isto é, se for entendido que aquele procedimento é indevido, essa mesma construção deve alcançar a segunda hipótese (“base atualizada”), por refletirem idêntica situação.
Para responder a primeira indagação, porém, necessário verificarmos qual é o tratamento dado à mora (e, por conseguinte à correção monetária ou juros de mora) pelo direito privado, em especial pelo Código Civil:
“Art. 394 – Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.
Art. 397 – O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu turno, constitui de pleno direito em mora o devedor.”
Pelas regras acima, somente é possível falar em mora quando o devedor deixa de cumprir, no prazo correto, uma obrigação que lhe é imposta.
A mora atinente à multa somente passa a existir após a sua efetiva constituição, isto é, antes do lançamento inexiste dever do contribuinte em pagar multa e, portanto, é incabível (em respeito ao instituto da mora firmado no direito privado) acrescer no lançamento índices moratórios ao cômputo de tal sanção.
Nesse sentido afirma Hugo de Brito Machado:
“…a lei não estabelece prazo para o pagamento de multa tributária, seja ela de que natureza for. Quando a multa integra um crédito tributário regularmente constituído, na constituição deste é que o prazo para pagamento é estabelecido e notificado o contribuinte para o respectivo pagamento. Assim, só a partir do término desse prazo é que se pode dizer que existe mora.
Na multa de ofício, a própria obrigação de pagar não existe antes do auto de infração. Passa a existir com a lavratura deste. E de mora só se pode cogitar se o contribuinte, regularmente notificado, não efetuar o pagamento do crédito tributário correspondente, no prazo para esse fim estabelecido.”
(MACHADO, Hugo de Brito. Juros de Mora sobre Multas Tributárias. Revista Dialética de Direito Tributário n. 180. São Paulo : Dialética, 2010, p. 84).
Importante asseverar que não se está defendendo a inexistência de incidência de juros de mora sobre a multa. A discussão aqui pretendida gira em torno de quando inicia-se o cômputo de tais encargos moratórios.
O que se tem visto na prática é a sua aplicação desde a ocorrência do “fato gerador” cujo descumprimento motivou a sanção. Todavia, quer nos parecer que essa prática vai de encontro às regras pertinentes à mora (e, por conseguinte, aos encargos moratórios), já que em tal momento (ocorrência do fato tributável) se tem o descumprimento frente ao pagamento do tributo (esse sim passível de correção monetária) mas inexiste descumprimento da multa (que somente passou a ser devida quando da lavratura do auto de infração).
Por todo o exposto, nos parece ser bem defensável o recálculo dos encargos moratórios incidentes sobre a multa oriundo de descumprimento de obrigação tributária, já que ao contrário do que se tem visto na prática (postura dos órgãos fazendários em geral), o dies a quo para incidência de tais encargos deve ser o momento da constituição da multa (que, até aquele momento, não era devida e, portanto, incabível falar-se em mora a ela jungida), e não o momento em que deu-se o fato tributável descumprido.