Dalmazzo, Castro e Tarpinian

Ainda a discussão sobre a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS

No final de 2006 (há 8 anos, portanto) iniciava-se, no Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) n. 240.785 onde, já na primeira sessão, tivemos a manifestação de 7 (sete) Ministros, 6 (seis) deles pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS (e, por conseguinte, do PIS).

Ora, como a Corte Suprema é composta por 11 (onze) Ministros e, em tal sessão, 6 (seis) deles já haviam se manifestado (maioria, portanto), restou certo que seria esse o entendimento do STF a respeito da matéria, qual seja, de ser inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS (e, por consequência lógica, do PIS).

Em janeiro de 2007 disponibilizamos, nesse espaço, artigo a respeito do assunto: https://dalmazzoecastro.com.br/informativos/artigo06.html.

O que se viu nesses 8 (oito) anos, porém, não foi a pacificação desta discussão. O Governo, na tentativa de reverter aquele quadro de derrota (maioria dos Ministros do STF favoráveis à inconstitucionalidade), ajuizou uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) que até hoje não teve seu mérito apreciado (não há, nessa ADC n. 18, nenhum voto proferido). Além disso, a matéria ganhou repercussão geral em outro Recurso Extraordinário (574.706) que também pende de julgamento.

Num primeiro momento, entendeu o STF que a ADC, por ser uma ação de controle abstrato (isto é, análise da constitucionalidade de uma lei – norma em abstrato -, com efeitos a todos) deveria ter preferência em razão dos demais casos onde o controle é concreto (análise da constitucionalidade da lei em razão de sua aplicação a um caso concreto, cujos efeitos diretos atingiriam, tão somente, as partes daqueles Recursos Extraordinários) e, com isso, deu-se preferência à tramitação de tal ADC n. 18, restando sem andamento (ainda que não sobrestados) os REs 240.785 e 574.706.

Interessante a manifestação do Ministro Marco Aurélio, vencido à época, a respeito de se dar preferência a um novo feito (no caso em relação a ADC) em detrimento de outro processo (RE 240.785) cujo julgamento já havia se iniciado, inclusive com a manifestação da maioria pela inconstitucionalidade do “alargamento” da base de cálculo da COFINS:

“Qual seria o móvel – e nada surge sem uma causa – do ajuizamento desta ação [ADC n. 18]? Aludo melhor a uma estratégia, objetivando atropelar julgamento já iniciado no Supremo, e já iniciado quanto ao tema de fundo, quanto ao conflito de interesses envolvido, contando a corrente contrária ao Fisco com 6 votos.

Os jornais estampam o argumento extremado sobre o impacto que decorreria da decisão se prevalecentes os seis votos já proferidos no próprio Supremo. Reafirmo o que sempre digo: processo para mim não tem capa; processo para mim não tem, em termos de convencimento, conteúdo econômico; processo para mim retrata, e somente isso considero, o direito posto.”

Infelizmente o relato acima não foi o vencedor. A ADC n. 18 foi admitida e, mais do que isso, teve cautelar deferida para suspender todo e qualquer processo (em trâmite nas instâncias inferiores) que versasse sobre esse tema.

Tal medida cautelar, concedida no dia 13/08/2008, deveria durar apenas 180 (cento e oitenta), conforme preceitua o parágrafo único do artigo 21 da Lei 9.868/1999. Todavia, reiteradas prorrogações desta medida cautelar foram concedidas, somente perdendo seus efeitos no dia 21/09/2013. A suspensão em tela, portanto, perdurou por mais de 5 (cinco) anos, sem que houvesse um único voto sobre o mérito da ADC n. 18.

Paralelo a isso, como já afirmado anteriormente, tivemos o reconhecimento, pelo STF, de repercussão geral em outro Recurso Extraordinário (574.706), que ainda pende de julgamento.

Sendo assim, a ADC n. 18 e o RE n. 574.706 deveriam ser julgados (ainda que para “atropelar” o RE n. 240.785, que já tinha seu julgamento iniciado) para, então, a Suprema Corte findar a insegurança jurídica em torno do tema que, há muito tempo, traz incerteza a ambos os lados (fisco e contribuintes).

Como não tivemos isso (nenhum voto foi proferido em relação ao mérito quer da ADC 18 quer do RE 574.706), houve uma forte pressão (inclusive de alguns Ministros do STF) para que o RE 240.785, sem inclusão em pauta desde o final de 2006, tivesse seu julgamento retomado.

Foi o que aconteceu no início de outubro de 2014, ou seja, aquele julgamento que já se encontrava com votação de 6 x 1 em favor dos contribuintes foi retomado, e finalizado, com resultado final de 7 (sete) votos favoráveis aos contribuintes, e 2 (dois) contra.

Foram 9 (nove) votos no total, e não 11 (onze), pois naquele momento a Corte estava composta por apenas 10 (dez) Ministros (ante a vaga, ainda não preenchida, deixada pela aposentadoria do Ministro Joaquim Barbosa). O outro voto não proferido foi da Ministra Rosa Weber, que por não ter assistido ao relatório e aos debates iniciais (ocorridos em 2006) optou por não participar do julgamento, conforme prerrogativa dada pelo § 2º do artigo 134, do Regimento Interno do STF.

O plenário do STF, portanto, possui hoje o entendimento (conforme julgamento finalizado do RE n. 240.785) de ser inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS e, por conseguinte, do PIS.

A questão está pacificada? Não!

Dos 9 (nove) Ministros que participaram desse julgamento, apenas 5 (cinco) deles ainda estão ativos na Suprema Corte. São eles: Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Destes, apenas os 4 (quatro) primeiros manifestaram-se a favor dos contribuintes, isto é, a chance de reversão do entendimento a respeito da matéria, em prol do Fisco, existe.

É bem verdade que tanto o julgamento da ADC n. 18 quanto do RE n. 574.706 já partem de um esperado resultado inicial de 4 x 1 em favor dos contribuintes, ante a recente manifestação destes 5 (cinco) Ministros no RE n. 240.785, isto é, a probabilidade de definição do caso em favor dos contribuintes é maior, já que preciso apenas 2 (dois) votos mais para se ter a maioria.

Mesmo assim, ainda perdura a insegurança sobre o tema, que há anos se arrasta no STF sem um definitivo posicionamento.

Uma coisa é certa: pelo reflexo econômico que uma ação dessa trará aos cofres públicos se houver o reconhecimento da inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS (quer em controle concentrado – ADC 18; quer em controle difuso com repercussão geral – RE 574.706), muito provavelmente haverá modulação dos efeitos de tal pronunciamento, isto é, serão limitados os efeitos de tal decisão apenas aos contribuintes que, em juízo, questionam tal alargamento da base de cálculo destas contribuições.

Foi exatamente isso que aconteceu quando do julgamento que culminou com a redução dos prazos, prescricional e decadencial, das contribuições previdenciárias. À época (junho/2008), disponibilizamos artigo a respeito do tema, também neste espaço: https://dalmazzoecastro.com.br/informativos/artigo23.html

Por todo o exposto, conclui-se que:

(i) houve o encerramento, no Plenário do STF, do julgado atinente ao RE 240.785 (feito recursal distribuído à Suprema Corte em 1998, isto é, levou 16 anos para ser julgado, só no STF), onde reconheceu-se a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS (e, por conseguinte, do PIS);

(ii) todavia, esse assunto ainda não está definitivamente pacificado, já que a conclusão poderá ser outra, quando do julgamento da ADC 18 e do RE 574.706, ante a significativa alteração na composição da Corte. Espera-se ter a manifestação de 5 (cinco) novos Ministros, que não votaram no RE 240.785 (falamos em 5 “novos” Ministros, e não 6, pois pugna-se pela impossibilidade do Ministro Dias Toffoli participar dessa votação, já que atuou nos autos da ADC 18 quando ainda integrava a Advocacia-Geral da União); e

(iii) independentemente do desfecho final deste assunto, na mais alta Corte do país, como existe a possibilidade de reconhecimento desta inconstitucionalidade, nestes outros 2 (dois) processos (basta que destes 5 Ministros “novos”, 2 concordem com a tese que se sagrou vitoriosa no RE 240.785), é aconselhável que as empresas ajuízem ações para resguardar o direito de repetir valores indevidamente recolhidos a esse título, pois muito provavelmente haverá modulação dos efeitos de uma decisão que reconheça a inconstitucionalidade, situação que, por si só, impedirá medidas posteriores visando tal restituição de pagamentos indevidos.

Danilo Monteiro de Castro – advogado, mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Itu. Professor de Seminário no Curso de Especialização em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Membro associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Sócio do escritório Dalmazzo & Castro Advogados Associados.