Dalmazzo, Castro e Tarpinian

Exclusão do ICMS da base de cálculo da contribuição previdenciária quando incidente sobre a receita bruta (base de cálculo utilizada na chamada “desoneração”)

Conforme já veiculado nesse espaço (ver, por todos, o artigo que disponibilizamos no Boletim de dezembro de 2014), o Supremo Tribunal Federal (STF), quando do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) n. 240.785, definiu ser inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS, já que este tributo tem por base de cálculo o faturamento e/ou a receita bruta e, portanto, o ICMS não pode integrar tal conjunto (o ICMS não pertence ao faturamento e/ou à receita bruta do contribuinte).

Esse entendimento, em que pese oriundo de julgamento ocorrido no Plenário do STF, é passível de mudança, já que o mesmo não ocorreu na sistemática da repercussão geral e, pior, existem dois outros processos atinentes ao mesmo assunto pendentes de julgamento no STF, quais sejam, Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) n. 18 e RE n. 574.706, esse último afetado pela repercussão geral.

Mesmo com a ressalva acima, o fato é que aquele precedente da mais alta Corte do país tem gerado mudanças na forma de julgamento deste tema pelos demais Tribunais brasileiros.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, que possuía súmulas no sentido de validar a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, mudou seu entendimento. Vejamos a ementa do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 593.627/RN, julgado em 2015, pela 1ª Turma do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. PIS. COFINS. BASE DE CÁLCULO. EXCLUSÃO DO ICMS. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.

I – A existência de repercussão geral no RE 574.706-PR, em relação à matéria ora debatida, não impede sejam julgados os recursos no âmbito desta Corte.

II – O ICMS é um imposto indireto, ou seja, tem seu ônus financeiro transferido, em última análise, para o contribuinte de fato, que é o consumidor final.

III – Constituindo receita do Estado-Membro ou do Distrito Federal, a parcela correspondente ao ICMS pago não tem natureza de faturamento ou receita, mas de simples ingresso financeiro, não podendo compor a base de cálculo do PIS e da COFINS.

IV – Conquanto a jurisprudência desta Corte tenha sido firmada no sentido de que a parcela relativa ao ICMS inclui-se na base de cálculo do PIS e do extinto FINSOCIAL, posicionamento sedimentado com a edição das Súmulas 68 e 94, tal discussão alcançou o Supremo Tribunal Federal e foi analisada no RE 240.785/MG, julgado em 08.10.2014, que concluiu que “a base de cálculo da COFINS somente poderia incidir sobre a soma dos valores obtidos nas operações de venda ou de prestação de serviços. Dessa forma, assentou que o valor retido a título de ICMS não refletiria a riqueza obtida com a realização da operação, pois constituiria ônus fiscal e não faturamento” (Informativo do STF n. 762).

V – Agravo regimental provido.”

(STJ. 1ª Turma. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 593.627/RN. Min. Rel. p/ o acórdão Regina Helena Costa. DJe 07/05/2015).

Portanto, em que pese a indefinição do tema no STF, o pronunciamento proferido pelo seu Plenário quando do julgamento do RE 240.785 tem sim influenciado o entendimento das demais Cortes brasileiras sobre a (in)validade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS.

O tributo objeto deste artigo, porém, é diverso do PIS e da COFINS. Estamos aqui voltados à contribuição previdenciária patronal que, via de regra, incide sobre a folha de salários das empresas e, assim, não deveria guardar qualquer relação com a discussão apresentada acima.

Ocorre que em 2011, ao argumento de “desonerar” a folha de salários e, por conseguinte, os encargos tributários das empresas, o Governo federal instituiu uma nova forma de compor o quantum da contribuição previdenciária. Ao invés de incidir uma alíquota sobre a folha de salários, adotou-se por base de cálculo a receita bruta das empresas, de determinados seguimentos, e sobre ela incidiria uma alíquota menor.

Tal novel forma de quantificação da contribuição previdenciária surgiu em nosso ordenamento jurídico através da Medida Provisória n. 563/2011 que, posteriormente, foi convertida na Lei n. 12.546/2011.

De início, as empresas que tinham suas atividades (CNAE), ou seus produtos (NCM), enquadrados na “desoneração” (em especial nos artigos 7º e 8º da referida Lei 12.546/2011) eram obrigadas a mudar a forma de quantificar a contribuição previdenciária (não mais sobre a folha de salários, mas sim sobre sua receita bruta).

Em 2015, porém, com a redação trazida pela Lei 13.161 a referidos dispositivos, passou a ser uma faculdade do contribuinte a tributação, para fins de contribuição previdenciária patronal, sobre folha de salários ou sobre a receita bruta.

O fato é que, desde 2011, é possível termos empresas que quantificam sua contribuição previdenciária sobre a receita bruta, isto é, sobre a mesma base de cálculo do PIS e da COFINS.

Ora, se o STF, bem como o STJ, tem entendido que o ICMS não pertence ao faturamento e/ou à receita bruta do contribuinte e que, por isso, não pode ser atingido pelo PIS e pela COFINS, o mesmo raciocínio deve ser aplicado à contribuição previdenciária quando do seu cálculo via sistemática da “desoneração.”

Em recente julgado, a 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) manifestou-se exatamente nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. LEI N°12.546/11. ALTERAÇÃO DE ALÍQUOTA. IMPOSSIBILIDADE DE ESCOLHA PELO CONTRIBUINTE DE LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AO FATO IMPONÍVEL. EXCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DA NOVA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA.

  1. Com o advento da Lei 12.546/11 não houve alteração da base de cálculo das contribuições elencadas nos incisos I e II do art. 22 da Lei 8.212, mas, isto sim, substituição destas por outra, sendo desnecessária sua veiculação por lei complementar em razão da autorização expressamente consignada no art. 195, 3º, da Constituição Federal, que já possibilitou a substituição das contribuições sobre a folha de pagamentos pela incidente sobre a receita ou o faturamento.
  2. Em substituição ao mencionado dispositivo, sobreveio o artigo 8º da Lei nº 12.546/11, o qual alterou a alíquota incidente sobre a contribuição destinada à Seguridade Social para 1% e a base de cálculo para o faturamento da empresa.
  3. Não compete ao sujeito passivo a faculdade de escolher qual regramento incidirá sob o fato imponível por ele praticado. Pelo contrário: uma vez praticado o ato jurídico há incidência imediata da lei em vigor.
  4. Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, “favor fiscal decorre do implemento da política fiscal e econômica, visando o interesse social. Portanto, é ato discricionário que foge ao controle do Poder Judiciário, envolvendo juízo de mera conveniência e oportunidade do Poder Executivo.” (ADI-MC 1643/UF, Rel. Ministro Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 30.10.1997, DJ 19.12.1997).
  5. A contribuição previdenciária prevista no artigo 8° da Lei n° 12.546/2012 é exigida sobre o faturamento da apelante composto para efeito de base de cálculo, entre outros, pelo ICMS – IMPOSTO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS que, ao fim e ao cabo, não gera receita para o contribuinte, pois apenas transita pelo patrimônio dele, sem incorporá-lo, já que repassada ao Estado.
  6. Tal raciocínio acabou por prevalecer recentemente no Supremo Tribunal Federal, quanto à inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, conforme constou do Boletim de Notícias do Supremo Tribunal Federal nº 762 de 06 a 11 de outubro de 2014 (RE 240.785-2/MG).
  7. O MESMO PARADIGMA PODE SER APLICADO PARA A CONTRIBUIÇÃO EM DEBATE NESTA LIDE.
  8. Pedido subsidiário acolhido para dar parcial provimento à apelação e excluir o ICMS da base de cálculo da contribuição previdenciária prevista no artigo 8° da Lei n° 12.546/2012.

(TRF3. 11ª Turma. Apelação Cível n. 0006238-60.2013.4.03.6143/SP. Des. Rel. José Lunardelli. DJe 10/12/2014)

Por todo o exposto, especialmente ante o cenário jurisprudencial atual, é aconselhável às empresas, enquadradas na sistemática de recolhimento das contribuições previdenciárias via “desoneração”, que busquem a adequação desta base de cálculo (com a exclusão do ICMS), bem como a devolução do que restou indevidamente pago a esse título nos últimos 5 (cinco) anos.

Danilo Monteiro de Castro – advogado, mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Itu. Professor de Seminário no Curso de Especialização em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Membro associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Sócio do escritório Dalmazzo & Castro Advogados Associados.