Dalmazzo, Castro e Tarpinian

Industrialização por encomenda. Incidência de ICMS ou ISS?

Em Fevereiro de 2008 disponibilizamos, nesse espaço, um artigo sobre esse tema, qual seja, industrialização por encomenda e o seu enquadramento como serviço ou como atividade mercantil.

Em tal artigo há a devida explicação do que consiste esse tipo de operação (grosso modo, industrialização realizada com matéria-prima fornecida antecipadamente pelo cliente).

A motivação daquele artigo, à época, foi a disponibilização, pela Receita Federal do Brasil, de uma Instrução Normativa (IN/RFB n. 20, de 13 de dezembro de 2007) onde tal órgão fazendário federal passaria, a partir de então, a considerar serviço, para fins de Imposto sobre a Renda (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a industrialização por encomenda (isso traria um impacto considerável nas empresas optantes pelo lucro presumido, já que a “alíquota de presunção” passaria de 8% para 32% sobre o faturamento).

O fato é que pouco tempo depois a Receita Federal revogou essa Instrução Normativa, voltando a sua interpretação anterior, qual seja, de que a industrialização por encomenda é uma atividade mercantil.

Superada a questão em âmbito federal, o problema persiste em âmbito estadual e municipal, isto é, saber se a industrialização por encomenda é uma atividade mercantil ou uma prestação de serviços implica em reconhecer se ela deve ser onerada pelo ICMS ou pelo ISS, sendo certo que o entendimento da Receita Federal a respeito da matéria, por si só, não elimina essa discussão.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem alguns precedentes a respeito do tema, entendendo ser ISS a tributação incidente sobre a industrialização por encomenda. Todavia, a questão não pode ser tratada de maneira genérica, isto é, não basta ser industrialização por encomenda para incidir o ISS, outros fatores influenciam no enquadramento desta atividade, ora como mercancia ora como prestação de serviços. Vejamos:

É entendimento pacífico em nossos Tribunais, principalmente ante a definição do tema pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que somente os serviços relacionados na lista anexa à Lei Complementar 116/2003 podem ser alcançados pelo ISS, instituído pelos respectivos municípios brasileiros. É a chamada taxatividade da lista anexa à LC 116/2003.

Para defender a incidência do ISS sobre a atividade de industrialização por encomenda os municípios afirmam, via de regra, que há tal previsão na lista anexa à LC 116/2003, ante a redação do item 14, em especial o subitem 14.05:

“14 – Serviços relativos a bens de terceiros
14.05 – Restauração[1], recondicionamento[2], acondicionamento[3], pintura[4], beneficiamento[5], lavagem[6], secagem[7], tingimento[8], galvanoplastia[9], anodização[10], corte[11], recorte[12], polimento[13], plastificação[14] e congêneres, de objetos quaisquer.”

Para haver, portanto, a subsunção do fato à norma, isto é, da industrialização por encomenda realizada por alguém à exigência de pagar ISS, o agente municipal deve enquadrar tal industrialização em uma das 14 distintas atividades listadas neste subitem 14.05 (ou em outro subitem deste item 14 da lista anexa à LC 116/2003).

Aqui reside o primeiro problema, já que a maioria dos agentes fiscais municipais limitam-se a localizar a industrialização por encomenda (via CFOP 5124 – industrialização efetuada por outra empresa – existentes em notas fiscais), não indicando tal enquadramento da industrialização a uma das 14 atividades listadas no subitem 14.05.

Ora, se a lista anexa à LC 116/2003 é taxativa, ainda que haja o entendimento de ser serviço aquela industrialização por encomenda, ela somente poderá ser onerada pelo ISS se subsumível for a uma das 14 atividades supracitadas.

A efetiva transformação de bens, por exemplo, é atividade que pode ser realizada por encomenda, mas que não possui a respectiva previsão no subitem 14.05.

A transformação não pode ser equiparada a: plastificação; polimento; anodização; galvanoplastia; tingimento; secagem; lavagem; pintura; acondicionamento; recondicionamento; e restauração (todas atividades descritas no subitem 14.05).

Também não se amolda a mera atividade de “corte” e “recorte”, já que a transformação é atividade muito mais complexa do que isso (não há mais o mesmo produto, a matéria-prima transforma-se em outro bem – uma placa de aço é transformada em uma caldeira; uma barra de inox vira uma anilha; e assim por diante).

Também não há que se falar em mero beneficiamento. Diferenciando bem os conceitos de transformação e beneficiamento, José Eduardo Soares de Melo ensina:

“Transformação – Operação que, exercida sobre matéria-prima ou produto intermediário, importe na obtenção de espécie nova. (…) Beneficiamento – Operação que importe modificar, aperfeiçoar, ou de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto.” (MELO, José Eduardo Soares de. IPI Teoria e Prática. São Paulo : Malheiros, 2009, p. 75).

Não basta, portanto, ser industrialização por encomenda, é preciso haver o seu devido enquadramento a uma das atividades listadas no Anexo da LC 116/2003, em especial no subitem 14.05.

Além dessa questão, outro fator crucial ao enquadramento da industrialização por encomenda como prestação de serviços, é ser o encomendante de tal industrialização seu destinatário final.

Insista-se, se a industrialização por encomenda for inserida em processo produtivo, onde haverá industrialização e/ou comercialização subsequente, o STF, em recente precedente, entende que tal atividade deve ser enquadrada como mercantil (e, portanto, onerada pelo ICMS) e não como prestação de serviços.

Ainda que haja personificação do trabalho solicitado, o fato do bem produzido compor uma cadeia produtiva impede a sua classificação como mera prestação de serviço (isto é, prevalência de uma obrigação de fazer em detrimento a uma obrigação de dar), segundo entendimento do STF.

Interessante destacarmos trechos do voto do Ministro Relator Joaquim Barbosa neste julgado, onde foi acompanhado à unanimidade por seus pares:

“Para o aparente conflito entre o ISS e o ICMS nos serviços gráficos, nenhuma qualidade intrínseca da produção de embalagens resolverá o impasse.A solução está no papel que essa atividade tem no ciclo produtivo.

(…) a ênfase na encomenda da industrialização parece-me insuficiente para contrariar a tese oposta. Diante da sempre crescente complexidade técnica das atividades econômicas e da legislação regulatória, não é razoável esperar que todos os tipos de invólucro sejam produzidos de antemão e postos, indistintamente, à disposição das partes interessadas para eventual aquisição. Nem é adequado pretender que as atividades econômicas passem a ser verticalizadas, de modo a levar os agentes de mercado a absorver todas as etapas do ciclo produtivo.

Assim, não há como equiparar a produção gráfica personalizada e encomendada para uso pontual, pessoal ou empresarial, e a produção personalizada e encomendada para fazer parte de complexo processo produtivo destinado a por bens em comércio.

Por fim, há detalhe final que merece ser exposto. A alíquota média do ICMS é de 18%, muito superior à alíquota máxima do ISS, de 5%. A pretensão dos contribuintes tem amparo econômico e se alinha com a harmonia entre carga e benefício econômico que deve orientar a tributação. Se o ICMS incidir, o valor cobrado poderá ser usado para calibrar o tributo devido na operação subsequente, nos termos da regra constitucional da não-cumulatividade. Em sentido contrário, ainda que nominalmente inferior, a incidência do ISS agrega-se ao custo da produção e da venda subsequentes, onerando-as sem a possibilidade de compensação. Não se trata de simplesmente pagar menos, mas de recolher o que efetivamente devido e a quem é o sujeito ativo previsto constitucionalmente.”
(BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direita de Inconstitucionalidade n. 4.389/DF. Ministro Relator Joaquim Barbosa. DJe 25/05/2011).

Ante o exposto, a incidência de ISS sobre a industrialização por encomenda está bem distante da mera localização deste tipo de atividade (industrialização ocorrida com matéria-prima ou produtos intermediários fornecidos pelo cliente / encomendante – CFOP 5124). É preciso saber se tal industrialização enquadra-se em uma das 14 atividades listadas no subitem 14.05 e, principalmente, se não será inserida em posterior processo industrial ou comercial (cadeia produtiva).

Os fiscos municipais têm autuado, indistintamente, as empresas que realizam industrialização por encomenda (não se preocupando com estas outras questões – enquadramento da atividade em uma daquelas relacionadas no subitem 14.05; e/ou destinar-se tal industrialização a subsequente processo produtivo). Cabe, portanto, aos contribuintes tomarem as medidas judiciais cabíveis, quer preventivas quer repressivas, para evitar (ou minimizar) os impactos financeiros decorrentes deste conflito de competência entre Estados e Municípios, onde o maior lesado é o contribuinte.

Danilo Monteiro de Castro – advogado, mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Itu. Professor de Seminário no Curso de Especialização em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Membro associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Sócio do escritório Dalmazzo & Castro Advogados Associados.