Dalmazzo, Castro e Tarpinian

Jornada excessiva e os danos morais existenciais

O presente artigo tem como escopo principal tecer algumas considerações acerca da jornada de trabalho excessiva a que alguns empregados são submetidos e seu reflexo na Justiça do Trabalho, a qual vem impondo condenações aos empregadores enquadrados nesta situação, a título de danos morais existenciais.

Para melhor entendimento do tema, necessário nos remetermos à Constituição Federal, a qual, logo em seu artigo 1º, nos traz os princípios fundamentais que são os pilares de nosso Estado Democrático de Direito, estando, dentre eles, os princípios da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Analisados pelo prisma que ora buscamos trazer ao presente estudo, se desdobram aos princípios citados acima os direitos e garantias fundamentais, elencados no Capítulo II da Constituição Federal, sendo que, dentre eles, temos previstos os direitos sociais assegurados a todos.

Dentre os direitos sociais ali trazidos, destacamos, a priori, àqueles que se encontram arrolados pelo artigo 6º, da Constituição, cujo teor segue abaixo reproduzido:

“Art. 6º – São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Conjuntamente aos direitos sociais do artigo 6º, acima colacionado, é pertinente ao presente estudo citarmos o artigo 7º, também de nossa Constituição, que elenca os direitos assegurados aos trabalhadores urbanos e rurais, sendo que, dentre eles, importante analisarmos os seguintes incisos de referido artigo:

“Art. 7º – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…)
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
(…)
XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
(…)
XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
(…)
XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de norma de saúde, higiene e segurança; (…)”

Da análise conjunta dos direitos acima elencados, podemos concluir que o empregado, como cidadão possuidor de direitos e deveres assegurados pela Constituição Federal, deverá exercer sua atividade profissional dentro da mais estrita observância ao artigo 7º, da Constituição Federal, tendo em vista que, somente assim, a ele será propiciado o gozo, em sua plenitude, dos direitos sociais elencados no artigo 6º do mesmo diploma legal.

Ou seja, o labor desempenhado em jornada excessiva, de forma habitual, muitas vezes desrespeitando os intervalos intrajornada e interjornada e os descansos semanais, a concessão regular das férias, etc., acaba colocando em risco a sua saúde física e psíquica do trabalhador, tendo em vista que tais fatos, além de desrespeitarem as normas de higiene e segurança do trabalho, acabam lhe retirando o direito ao lazer, cultura, convívio social, a oportunidade de dedicar-se aos estudos, dentre outros que integram os direitos da personalidade.

Desta forma, o empregador que submete seus empregados a situações contrárias à nossa legislação, desrespeitando seus direitos trabalhistas e, ato sequente, ceifando, além destes, outros direitos inerentes a sua existência, assegurados constitucionalmente, acaba impondo a estas pessoas o denominado dano moral existencial.

Neste sentido, Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho e Rúbia Zanotelli de Alvarenga ensinam que:

“Essa hiperexploração da mão de obra humana, acompanhada ou não da contraprestação em pecúnia, causa ao trabalhador um tipo de prejuízo que vem sendo doutrinariamente chamado de dano existencial.”
O Dano Existencial e o Direito do Trabalho. Revista Magister de Direito do Trabalho n. 57. Porto Alegre : Magister, 2013, p. 52).

Portanto, o desrespeito às normas trabalhistas constitucionalmente asseguradas, em especial àquelas que privam o trabalhador de seu convívio familiar e social, dentre outros direitos a ele inerentes, mesmo havendo a contraprestação paga pelo empregador, como, p.ex., as horas extras acrescidas dos respectivos adicionais legais, as férias dobradas pela não concessão das férias dentro do período legal, etc., não excluem o risco de, analisado o caso concreto pela Justiça do Trabalho, ser verificado um abuso por parte do empregador na utilização de seus empregados, o que poderá levar à condenação ao pagamento do denominado dano moral existencial.

Outrossim, além do risco de condenação ao pagamento de danos morais existenciais, poderá a empresa ser fiscalizada pelo Ministério do Trabalho, sendo autuada em decorrência de tais violações, bem como ser alvo de ação civil pública interposta pelo Ministério Público do Trabalho, o que lhe acarretará sanções de caráter coletivo, impactando não somente a questão financeira da empresa como também em outras vertentes de suma importância ao seu bom andamento.

Concluindo, deverá o empregador, em respeito aos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, buscar propiciar aos seus empregados um ambiente de trabalho salubre, em respeito às normas trabalhistas vigentes em nosso ordenamento jurídico, o que culminará em resultados benefícios para ambas as partes, além de evitar um passivo trabalhista em decorrência de demandas judiciais e administrativas, bem como aumentar os resultados individuais e coletivos de seus empregados, refletindo, ato sequente, no faturamento da empresa.

Eduardo Alessandro Silva Martins – advogado e pós-graduando em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).