Alternativas empresariais para minimizar os efeitos da crise econômica nas relações de trabalho
A legislação trabalhista brasileira tem como um de seus pilares os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da livre iniciativa, através dos quais serão regulados os limites na relação empregado/empregador, tanto na negociação individual quanto coletiva.
Tais princípios devem ser analisados conjuntamente, visto que a subsistência do trabalhador depende da retribuição decorrente do seu trabalho, enquanto que o empregador, por sua vez, depende desta mão de obra para se manter economicamente forte.
Em decorrência desta mútua dependência, é essencial a possibilidade de flexibilização das relações de trabalho decorrente de grave crise econômica, no intuito de garantir a possibilidade de recuperação da empresa bem como dos empregos por ela gerados, o que se dará mediante a possibilidade da negociação coletiva entre a empresa e o sindicato representativo de seus empregados.
Referida negociação visará a concessão recíproca entre as partes de direitos e deveres na busca de uma solução que possa garantir os interesses de ambas as partes, como, por exemplo, a elaboração de um plano de demissão voluntária, a suspensão temporária do contrato de trabalho (Lay-off) para participação dos empregados em curso/programa de qualificação profissional, concessão de férias coletivas ou a redução temporária da jornada e do salário dos trabalhadores, desde que efetivamente comprovada a existência de grave crise econômica pela empresa.
Ressaltamos que é fundamental para implementação de alguma destas medidas, de forma temporária, tanto da participação efetiva do sindicato da categoria quanto da aprovação dos trabalhadores, sem a qual poderá ser inviabilizada a flexibilização de alguns direitos visando assegurar a mantença do emprego.
Desta forma, comprovando a empresa de forma cabal a crise econômica e a necessidade da adoção de medidas extremas para sua recuperação e a manutenção de seu quadro de empregados, poderá iniciar as tratativas com o sindicato buscando a solução a ser acatada por ambas as partes, lembrando que as concessões deverão sempre ser mútuas, sendo que analisaremos as alternativas existentes em nosso ordenamento jurídico.
Antes de passarmos à discrição dos mecanismos de flexibilização existentes no ordenamento jurídico brasileiro, é importante ressaltar que, ao contrário do que já aconteceu em alguns países (em especial do continente europeu), aqui ainda há uma forte rigidez quanto aos direitos do trabalhador e, portanto, as medidas abaixo pormenorizadas podem, infelizmente, não satisfazer integralmente as pretensões dos empresários.
PROGRAMA DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA (PDV)
É usual a elaboração, mediante a necessidade de redução do quadro de empregados, de um Plano de Demissão Voluntária (PDV) em conjunto com o sindicato, pelo qual o empregado, diante da disponibilização pelo empregador de algumas vantagens econômicas superiores à ruptura comum do contrato de trabalho, adere ao plano se desligando voluntariamente da empresa.
Deverá compor o PDV, além das verbas rescisórias incidentes quando da despedida imotivada, outros benefícios que servirão de incentivo ao desligamento voluntário, sendo que tais benefícios variam de empresa para empresa, inexistindo qualquer óbice a sua implementação.
Temos como alguns exemplos destes benefícios o pagamento de um bônus equivalente a 01 (um) salário nominal correspondente a cada ano de serviço prestado em favor da empresa; a mantença do plano de saúde pelo período de 06 meses após o desligamento; auxílio na recolocação do profissional no mercado de trabalho; dentre outras.
Ante todas as opções existentes na busca de se contornar a crise econômica, analisadas no presente artigo, entendemos que esta poderá ser a mais custosa à empresa, tendo em vista a necessidade do pagamento de valores além das verbas rescisórias, os quais servirão para incentivar e, ao mesmo tempo, compensar a perda do emprego, já que a continuidade da relação empregatícia é um dos pilares do Direito do Trabalho, devendo ser estudadas e, juntamente ao sindicato, escolhidas as benesses que irão compor o PDV.
Todavia, se a crise econômica impõe a necessária redução do quadro de funcionários, essa é uma interessante alternativa, pois possibilita a manutenção de empregados que, mesmo com a benesse ofertada para a voluntária demissão, preferem preservar seu emprego.
SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DO CONTRATO DE TRABALHO (LAY-OFF)
É previsto em nossa legislação a possibilidade da suspensão temporária do contrato de trabalho, pelo período de 02 (dois) a 05 (cinco) meses, no qual o empregado será submetido a realização de cursos ou programas de especialização e aperfeiçoamento profissional.
Durante referido período estarão suspensas as obrigações recíprocas entre as partes, quais sejam, o trabalho do empregado em favor da empresa, e desta ao pagamento de salário, FGTS e recolhimento da contribuição previdenciária.
Neste período o trabalhador receberá uma “Bolsa Qualificação” custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), a qual será requerida diretamente pelo empregado junto ao Ministério do Trabalho, através da apresentação de documentação pertinente à comprovação dos requisitos para recebimento de referido benefício.
Para a validade da suspensão do contrato de trabalho e a concessão da “Bolsa Qualificação”, serão necessários o preenchimento de 04 (quatro) requisitos obrigatórios, abaixo descritos:
- Previsão da possibilidade da suspensão em instrumento coletivo a ser negociado junto ao sindicato;
- Concordância por escrito do empregado da suspensão de seu contrato de trabalho para qualificação profissional;
- A empresa deverá notificar o sindicato, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, da suspensão contratual; e
- Participação efetiva do empregado no curso que originou a suspensão de seu contrato.
A ausência de um destes requisitos invalida a suspensão sujeitando a empresa ao pagamento imediato dos salários e encargos sociais referentes ao período em que ficou suspenso o contrato de trabalho, dentre outras sanções previstas em lei e no instrumento coletivo.
Durante este período poderão empresa e sindicato preverem no instrumento coletivo um bônus mensal a ser pago pela empresa em favor do empregado, complementando a “Bolsa Qualificação”, sendo que referido bônus terá natureza indenizatória, dele não incidindo qualquer tipo de reflexo, como, por exemplo, contribuição previdenciária sobre referido valor.
Se ocorrer a dispensa do empregado durante o período da suspensão contratual ou nos 03 (três) meses após seu retorno ao trabalho, deverá o empregador arcar com o pagamento de uma multa que será estipulada no instrumento coletivo de, no mínimo, 100% (cem por cento) sobre o valor da última remuneração mensal anterior à suspensão do contrato.
A suspensão temporária do contrato de trabalho (Lay-off), portanto, além de desonerar, temporariamente, a folha de pagamento do empregador, permite a capacitação de seus empregados que retomarão suas atividades com um maior conhecimento técnico, tudo a refletir em favor da empresa.
FÉRIAS COLETIVAS
As férias coletivas estão previstas em nossa legislação e se tratam de uma prerrogativa do empregador, diante da necessidade de paralisação das atividades de um ou mais setores da empresa, por determinado período, que poderá ser concedida em 01 (um) ou 02 (dois) períodos anuais, desde que nenhum deles seja inferior a 10 (dez) dias.
Se optar pela concessão das férias coletivas, deverá a empresa comunicar ao órgão local do Ministério do Trabalho, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, informando as datas de início e fim das férias, e, no mesmo prazo, enviar cópia de referida comunicação ao sindicato da categoria, bem como afixar aviso das férias no local de trabalho para ciência dos empregados.
O pagamento das férias deverá ser efetuado, juntamente com o acréscimo de 1/3 (um terço) sobre seu valor, no prazo máximo de até 02 (dois) dias antes de seu início.
Desta forma, diferentemente das demais opções que poderão servir de alternativa às empresas em época de crise, a concessão de férias coletivas é a única em que não há necessidade de negociação junto ao sindicato da categoria, visto tratar-se de ato privativo do empregador na direção das atividades atinentes ao seu empreendimento.
Todavia, não haverá redução alguma de encargo trabalhista (outros custos, obviamente, serão minimizados com a paralisação ou redução das atividades da empresa fruto das férias coletivas), já que os funcionários em férias receberão normalmente os direitos dela inerentes.
Portanto, poderão as férias coletivas serem concedidas em período que melhor atenda aos interesses da empresa, desde que cumpridas as exigências legais acima descritas, sendo direcionada a determinado setor ou abrangendo todos os empregados.
REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO E DE SALÁRIO
O salário e a jornada de trabalho são considerados os direitos mais valorosos dos trabalhadores, e, desta forma, para que seja possibilitada a redução de ambos será obrigatória a participação da entidade sindical na negociação, sendo essencial que a empresa comprove efetivamente a necessidade de tal ato, que terá, também, como um de seus objetivos, além da recuperação econômica, a garantia de um direito essencial do empregado, qual seja, a mantença do emprego.
A possibilidade da redução da jornada laboral e do salário possui previsão legal na própria Constituição Federal, o que poderá ocorrer pelo prazo máximo de 03 (três) meses, podendo ser renovado por período igual se ainda existente a causa que lhe originou.
A redução salarial deverá ser de até 25% (vinte e cinco por cento) do salário, respeitado o salário mínimo vigente, sendo essencial a negociação com o sindicato acerca da definição dos parâmetros que irão reger os contratos de trabalho durante este período excepcional, além da efetiva comprovação da necessidade de sua realização diante da crise financeira suportada pela empresa.
Há que se ressaltar que após finalizado o prazo previsto no acordo coletivo, deverão os salários e a jornada de trabalho serem restabelecidos ao patamar anterior, sob pena de configurar-se falta que ensejará a rescisão indireta do contrato de trabalho, pelo empregado, caso a empresa seja acionada judicialmente.
Desta forma, existe em nosso ordenamento jurídico a possibilidade de redução salarial e de jornada, mediante a elaboração de acordo coletivo firmado entre a empresa e o sindicato representativo da categoria econômica, o qual deverá ocorrer em prazo determinado, de no máximo 03 (três) meses, renováveis por igual período, sendo que a redução salarial deverá se dar até o patamar de 25% (vinte e cinco por cento) de seu valor, respeitado o salário mínimo vigente, sendo primordial a efetiva comprovação das dificuldades econômicas que motivaram tal ato, que visará a recuperação da empresa bem como a manutenção dos empregos por ela gerados.
CONCLUSÕES
O presente artigo tem como finalidade apresentar as opções existentes para implementação de medidas que irão flexibilizar, temporariamente, os direitos trabalhistas assegurados aos empregados visando um fim maior, qual seja, a manutenção do emprego através da recuperação econômica da empresa.
Deverá a empresa, portanto, diante de um cenário de crise econômica, analisar dentre todas as alternativas existentes àquela que irá, naquele momento, auxiliar na tentativa de se estabilizar economicamente, no intuito de recuperação da competitividade frente ao mercado e possibilitando, assim, a retomada normal de suas atividades.