Dalmazzo, Castro e Tarpinian

Contribuição Social. 10% de acréscimo na multa fundiária (FGTS). Desvio de finalidade

Atualmente, tem sido objeto de discussão no Judiciário brasileiro, em relação à contribuição social instituída pela LC 110/2001 (acréscimo de 10% na multa fundiária da rescisão de contrato), não mais a sua constitucionalidade pura e simples (situação pacificada pelo STF nas ADINs 2.556-2 e 2.568-6), mas sim o desvirtuamento da finalidade dada aos valores arrecadados fruto de tal contribuição.

Isso porque, o tributo em tela foi instituído para sanear déficit nas contas do Fundo de Garantia (FGTS) em razão de condenações judiciais para regularização de levantamento de FGTS ocorridos sem os acréscimos devidos ante os chamados “expurgos inflacionários”, isto é, para recuperar as perdas decorrentes destas condenações, instituiu-se em 2001 uma contribuição social exclusivamente para esse fim.

Ocorre que as contas do FGTS, ante o recolhimento destes 10% de acréscimo à multa fundiária, já foram devidamente saneadas em 2007, já que o último pagamento das parcelas pertinentes ao respectivo “complemento” deu-se em tal ano, conforme cronograma constante no Decreto n. 3.913/2001 (que “Dispõe sobre a apuração e liquidação dos complementos de atualização monetária de saldos de contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, de que trata a Lei Complementar n. 110, de 29 de junho de 2001”).

Ou seja, criou-se um tributo (contribuição social) para saneamento das contas do FGTS. Paralelo a isso, criou-se forma alternativa de pagamento, aos segurados, dos valores relativos a esse “complemento” de FGTS decorrente dos “expurgos inflacionários”. Ora, se a última parcela do pagamento desse “complemento” ocorreu em janeiro de 2007, evidente que o saneamento das contas do FGTS deu-se, também, na mesma data (se não tenho mais a despesa – pagamento de “complemento” – não há mais razão para a receita instituída exclusivamente para custeá-la).

O desvirtuamento da finalidade inerente ao produto arrecadado da contribuição social instituída pela LC 110/2001 resta evidente nas razões de veto (exarada pela Presidente da República) ao Projeto de Lei n. 200/2012, que visava extinguir tal tributo. Vejamos:

“A sanção do texto levaria à redução de investimentos em importantes programas sociais e em ações estratégicas de infraestrutura, notadamente naquelas realizadas por meio do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FI-FGTS. Particularmente, a medida impactaria fortemente o desenvolvimento do Programa Minha Casa, Minha Vida, cujos beneficiários são majoritariamente os próprios correntistas do FGTS.”
Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Mensagem de Veto n. 301, de 23 de julho de 2013. Acesso dia 27/06/2014).

Investimento em programas sociais??? Em ações estratégicas de infraestrutura??? Ora, se a contribuição social em tela foi instituída, exclusivamente, para sanear as contas do FGTS em razão dos “expurgos inflacionários”, não há dúvida que a finalidade atribuída à sua instituição restou explicitamente desvirtuada.

Por tudo isso, o que se vê agora são ações judiciais onde as empresas visam o não pagamento de tal contribuição social pelo descumprimento (desvirtuamento) da finalidade de sua instituição.

Exatamente nesse sentido, uma Juíza Federal do Distrito Federal, em março deste ano (2014) assim manifestou-se:

“Não há dúvida de que a contribuição do art. 1º da LC 110/2001 é da espécie contribuição social geral, com destinação específica, qual seja, a de trazer equilíbrio às contas do FGTS em razão do pagamento do passivo dos chamados expurgos inflacionários (Planos Verão e Collor I), conforme exposição de motivos do Projeto de Lei Complementar (fls. 340).

Conforme ressaltou o Ministro Joaquim Barbosa, Relator das ADI’s 2.556-2 e 2.568-6, em que reconhecida a constitucionalidade da contribuição em testilha, ‘a existência das contribuições, com todas as suas vantagens e condicionantes, somente se justifica se preservadas sua destinação e finalidade. Afere-se a constitucionalidade das contribuições pela necessidade pública atual do dispêndio vinculado (motivação) e pela eficácia dos meios escolhidos para alcançar essa finalidade’.

Ou outras palavras, se cumprida a finalidade que motivou a instituição da contribuição, esta perde seu fundamento de validade, de modo que a exigência, passa, então, a ser indevida. Essa é a situação da contribuição social instituída pelo art. 1º da LC 110/2001, que vem sendo cobrada dos empregadores no caso de demissão sem justa causa, no percentual de 10% do montante dos depósitos devidos ao FGTS, enquanto que a última parcela dos complementos de correção monetária foi paga em janeiro de 2007, conforme cronograma estabelecido na alínea ‘e’ do inciso II, do art. 4º do Decreto 3.913/2001.

(…) Diante do exposto, defiro o Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela, para suspender, em relação às Autoras, a exigibilidade do crédito tributário relativo à contribuição social geral de que trata o art. 1º da LC 110/2001, nos termos do art. 151, V, do CTN.”
BRASIL. Sexta Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal. Processo n. 18862-48.2014.4.01.3400. Juíza Federal Ivani Silva da Luz. Data do Julgado 21.03.2014)

No mesmo norte é o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

“Ocorre que a finalidade para a qual foram instituídas essas contribuições (financiamento do pagamento dos expurgos do Plano Verão e Collor) era temporária e já foi atendida. Como as contribuições têm como característica peculiar a vinculação a uma finalidade constitucionalmente prevista, atendidos os objetivos fixados pela norma, nada há que justifique a cobrança dessas contribuições.

Por isso, entendo que não se pode continuar exigindo das empresas, ad eternum, as contribuições instituídas pela Lei Complementar n. 110 (…) Desta forma, concedo efeito suspensivo, determinando à agravada que se abstenha de exigir as contribuições que ora se discute…”
(BRASIL. Tribunal Regional Federal da Quarta Região. Segunda Turma. Agravo de Instrumento n. 2007.04.00.024614-7. Desembargador Relator Leandro Pausen. DJe 27.08.2007)

A questão ainda não possui entendimento solidificado em nossos Tribunais, mas os precedentes acima reforçam a plausibilidade jurídica dos seus argumentos.

Pelo exposto, a questão em tela (afastamento dessa exação – 10% de acréscimo à multa do FGTS) quer nos parecer um direito a ser buscado, na Justiça, pelos empresários brasileiros, não só para afastar essa tributação em situações futuras como, também, reaver o recolhido a esse título nos últimos 5 (cinco) anos, já que desde janeiro de 2007 tal contribuição não mais atinge a finalidade para a qual foi instituída.

Danilo Monteiro de Castro – advogado, mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Itu. Professor de Seminário no Curso de Especialização em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Membro associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Sócio do escritório Dalmazzo & Castro Advogados Associados.