Dalmazzo, Castro e Tarpinian

Marcas não tradicionais

Há muito se sabe da importância da marca para distinguir produtos e serviços, bem como da necessidade de protegê-la através de registro no órgão competente (no Brasil o INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial), no entanto, o que normalmente não se sabe é que o conceito de marca é muito mais amplo do que o que comumente se conhece.

O que normalmente se conhece por marca (até mesmo em virtude do sistema brasileiro), são as tradicionalmente conhecidas, as marcas que se consegue perceber através de palavras e figuras (logo), no entanto o conceito de marca é muito mais extenso.

Marca é todo sinal capaz de distinguir serviços e produtos de uma mesma categoria (princípio da especificidade) e esta distintividade, que torna possível a pronta identificação do público consumidor com a procedência do que está adquirindo (função da marca), pode se dar através dos mais diversos sentidos (olfato, audição, visão, tato e paladar). O que ocorre é que somente a identificação do produto e do serviço através de um destes sentidos, a visão, e de uma maneira (estática), é que acaba por ser compreendida como marca.

Vemos, no entanto, que com a competitividade do mercado as empresas têm buscado mecanismos de individualização das mais diversas formas, sendo certo que a identificação visual estática passou a ser somente uma das tantas formas de distinção de produtos e serviços.

Em um mercado competitivo a antiga frase “o produto se vende” mostra-se obsoleta. Com a facilidade de acesso à tecnologia, os investimentos na qualidade do produto não se mostram mais como principal alavanca de vendas (há diversos produtos concorrentes com qualidades muito semelhantes), apresentando-se como diferencial a maneira com quem este produto/serviço é colocado no mercado.

Antes da divulgação (publicidade pelos mais diversos meios), há a construção marcária. Qual o nome será dado, qual será a imagem (logo marca) que representará, como será a embalagem no caso de produto ou então como se apresentarão os prestadores de serviço: enfim, quais serão os sinais enviados para que o público se identifique com este produto/serviço, serão apenas sinais captados através da visão, ou outros sentidos como olfato, tato, audição também serão explorados?

Há ainda os casos onde a marca (sinal distintivo capaz de causar rápida identificação com a procedência do produto) surge em um momento posterior, pelo próprio uso, que é o denominado secondary meaning, pouco aceito na legislação brasileira.

O importante para o presente texto é percebermos que seja em um primeiro momento, ou o surgimento secundário, a percepção do sinal capaz de distinguir um produto e um serviço não se dá apenas através de visão, mormente a de duas dimensões como é o conceito de marca mais compreendido.

O cheiro característico de um produto, a música que toca quando se entra em determinado estabelecimento, a disposição dos produtos nas prateleiras, tudo é sinal capaz de distinguir serviços e produtos de uma empresa e de outra. No entanto, embora os mais diversos tipos de sinais sejam capazes de individualizar o produto/serviço, no Brasil somente as marcas tradicionais (com exceção das tridimensionais) são passíveis de proteção através da outorga da propriedade industrial.

Vale dizer que o acordo internacional de Trips (Trade-related aspects of intellectual property rights), do qual o Brasil é signatário, traz padrões mínimos, podendo os países membros restringirem estes padrões (final do artigo 15.1), que foi exatamente o que o Brasil fez ao dizer no artigo 122 da Lei n.◦ 9.279/96 que marca é todo sinal visualmente perceptível. Tal restrição acaba por limitar o direito a marca, deixando, a princípio, desprotegidos outros sinais distintivos.

Diante da internacionalização do comércio esta ausência de proteção a outros sinais, que não são os visualmente perceptíveis, mostra-se desvantajosa, mormente porque países como os Estados Unidos e membros da União Europeia têm sistemas mais flexíveis. Nos Estados Unidos por exemplo, onde há uma política extremamente protetiva da propriedade industrial, é possível registrar quaisquer sinais, já na União Europeia o conceito não é tão amplo como nos Estados Unidos, mas menos restrito que no Brasil, pois lá é possível o registro de marcas graficamente representadas (tudo que é visualmente perceptível é graficamente representado, no entanto nem tudo que é graficamente representado é aferível pela visão, por exemplo, marcas sonoras que são representadas por notas musicais e marcas olfativas que podem ser representadas por fórmulas químicas).

Se em uma interpretação rasa da lei não seria possível registrar como marca sinais que não são visivelmente perceptíveis, verificamos que o INPI tem, ainda que de maneira sensível, se flexibilizado com relação a algumas marcas ditas como não tradicionais.

Como acima mencionado as marcas tradicionais são as visivelmente perceptíveis e estáticas. Faz-se esta segunda classificação (estáticas) em decorrência de haver algumas marcas que embora sejam captadas pela visão, não são consideradas como marcas tradicionais, como o caso das marcas em movimento, holográficas e gestuais, havendo ainda discussões sobre a marca de posição, quem embora seja visualmente perceptível e estática muitas vezes não é aceita.

Em virtude desta ausência de restrição (a lei somente fala em visualmente perceptíveis nada falando sobre a maneira com que são percebidas), é que há doutrinadores como Denis Borges Barbosa que consideram que não pode haver impedimento para registro de marcas gestuais, em movimento e holográficas.

Afirma o citado doutrinador:

“Assim, todos os signos visuais podem ser marcas registradas, desde que atendam as noções de distintividade, veracidade e de novidade relativa. Tais requisitos são, simultaneamente, de ordem jurídica e prática, e se completam com o preceito básico de ordem funcional (…) Assim, como ocorre no caso das patentes, o direito brasileiro não prescreve o que pode ser marca, senão funcionalmente. Todos os signos que atenderem os requisitos citados, e não estiverem nominalmente excluídos pela norma legal 51, terão pretensão ao registro…” (BARBOSA, Denis Borges. Marcas em Movimento: Proteção Possível em Direito Brasileiro. Revista Eletrônica do IBPI n. 08, p. 93/94).

No Brasil existe ao menos um caso de marca em movimento concedida (registro n.° 826006248), a qual é representada pela sequência de fotos indicando o movimento. Apenas a título argumentativo, tal maneira de depósito da marca em movimento nos faz questionar a precariedade do nosso sistema. Tecnologicamente há tantos meios de se mostrar uma marca em movimento que colocá-la em desenhos sequenciais é completamente arcaico, seria como se hoje em dia os filmes de animações fossem feitos através de rabiscados em papeis e posteriormente agitados sequencialmente em vez de se utilizar programas de computadores.

Para não nos estendermos, o que interessa é verificar que embora as marcas visualmente perceptíveis não tradicionais não encontrem habitualidade de registros no Brasil, tem sido concedidas, ainda que timidamente, pelo INPI.

Se por um lado as marcas não tradicionais, mas visualmente perceptíveis, tem encontrado possibilidade de proteção, por outro lado, as marcas não tradicionais que podem ser representadas visualmente, mas não percebíveis desta forma, como as olfativas e sonoras e aquelas marcas que não poderiam nem ser representadas de maneira gráfica, como as marcas gustativas, as táteis e algumas sonoras, não encontram atualmente qualquer possibilidade de proteção.

Afora as marcas acima citadas (em movimento, gestuais, holográficas, de posição, gustativa, olfativa, sonoras e táteis) há ainda o conceito de trade dress que seria um conjunto de diversas percepções e espécies de marcas capazes de causar pronta identificação do público consumidor.

Todas as espécies de marcas citadas no conciso texto são capazes de identificar produtos e serviços, sendo algumas, mesmo sem ser tradicionais e não contar com expressa determinação legal, já encontram precedentes administrativos e alguns judiciais de proteção.

Essencial esclarecer que o fato de não haver a possibilidade de registrar determinados sinais como marcas não afasta do empresário o direito de se proteger contra terceiros que, de alguma maneira, estejam se aproveitando da sua criação que serve para diferenciar o seu produto/serviço no mercado.

As defesas poderão encontrar alicerce nas diversas espécies de propriedade intelectual. Dependendo do caso pode-se invocar desrespeito a desenho industrial, direito autoral e até mesmo com base na concorrência desleal e na teoria civil do dano. O importante é o empresário ter a consciência do valor econômico que os sinais responsáveis pela divulgação de seus produtos/serviços têm, impedindo que terceiros ajam de maneira parasitária.

Roberta Dias Tarpinian de Castro – advogada, pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), pós-graduada em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de Itu. Sócia do escritório Dalmazzo & Castro Advogados Associados.